Neste último domingo, ainda no início da madrugada, recebemos a inesperada notícia da morte do amigo, companheiro e intelectual de primeira grandeza, José Antonio Costabeber. Ainda no sábado à tarde, pude estar com ele por alguns instantes para lhe agradecer e lhe dizer o quanto ele foi importante para mim e para muitos que atuam na área da agricultura e do desenvolvimento rural. Porém, muitos certamente não conheceram este cachoeirense, engenheiro agrônomo, extensionista rural da Emater, doutor em Agroecologia e, há quatro anos, professor da UFSM. Um santamariense por adoção, nesta cidade tão dolorida e, agora, com um cristal a menos. Onde ia falar, o “Costa” conquistava até mesmo os oponentes por sua eloquência respeitosa, suas tiradas de fino humor e sua profunda honestidade intelectual.

Mas o reconhecimento maior, penso eu, se deve por sua firmeza de posicionamento a respeito dos (des)caminhos da agricultura e do desenvolvimento rural. Sua grande contribuição a este interminável e, por vezes, tortuoso debate, foi na luta pela consolidação da Agroecologia (com "A" maiúsculo como costumava exigir), como uma disciplina científica e não apenas um desejo de grupos utópicos, ou um modo de produção limpo, ou ainda um estilo de vida natural, por mais dignas que sejam estas opções. Não, ele e Francisco Caporal, fundaram a ABA (Associação Brasileira de Agroecologia) e realizaram debates profundos com academias, centros de pesquisa, órgãos de extensão, agricultores de todos os tipos, para que a Agroecologia fosse construída e reconhecida como ciência capaz de conduzir à transição da agricultura convencional – com suas preocupantes externalidades sociais e ambientais - para "agriculturas" de base ecológica. Sem essa diversidade biológica e pluralidade cultural, aliadas a um profundo compromisso ético e por mais eqüidade, o almejado desenvolvimento sustentável não passaria de uma expressão vazia...aliás, no mais das vezes violentada por conveniência de discursos políticos ou como mais um filão para a realização do lucro imediato.

                O Costabeber foi colaborativo e elucidativo com seus pares, lançando luzes teóricas e estabelecendo, com clareza, os princípios, valores, conceitos e métodos de ação e reflexão agroecológica. Um arcabouço poderoso e semeador de esperanças, capaz não apenas de orientar políticas públicas para desenvolver a vida social e produtiva o universo da agricultura. E também, no tripé ensino-pesquisa-extensão, uma Agroecologia comprometida e capaz de interligar os diversos campos do conhecimento agrário, fundando-os no entendimento da coevolução biológica e social dos agroecossistemas e no respeito ao protagonismo de todos os seus agentes.

Talvez, por não nascido só academia, mas sim com um pé na sociedade, a Agroecologia não seja tão facilmente aceita pelo tradicionalismo científico, que insiste em ficar na sua redoma narcisista. Por isso mesmo, Costa publicou centenas de artigos e entrevistas e liderou inúmeros seminários locais e regionais, cursos de formação, sistematizações de experiências e, com um carinho especial, os Congressos Brasileiros e Internacionais de Agroecologia, milhares de estudantes, extensionistas, pesquisadores, educadores, líderes de movimentos e entidades, agricultores, enfim, estão lutando para que este legado seja permanentemente enriquecido e possa servir de base para uma agricultura voltada para a vida, para um desenvolvimento rural de fato sustentável e, enfim, um mundo melhor para nós e para as futuras gerações. Hoje já existem mais de 100 cursos técnicos, superiores e de pós-graduação em Agroecologia no Brasil. Mas, obviamente que ainda há muito o que fazer: o Brasil, por exemplo, é o número um do mundo em utilização de agrotóxicos; e a medida bda “pegada ecológica” mundial mostra que estamos utilizando 50% mais recursos do que o planeta tem capacidade de suprir...

Educador, cientista, cidadão... Muito obrigado José Antonio Costabeber por termos convivido e aprendido contigo, um verdadeiro pensador e um sábio semeador de esperanças e generosidade!

Leia a última entrevista de J. A. Costabeber: 
 http://migre.me/fCUTo